A presença de Deus

Era um homem muito bom, cumpridor de seus deveres, de princípios retos, mas que simplesmente não encontrava espaço em suas cogitações íntimas para a existência de Deus. Certa feita, fechava a farmácia quando entrou uma menina.

– Sinto muito, minha filha. Estou de saída…

– Por favor, senhor farmacêutico, é muito importante. Trago uma receita para minha mãe. Está gravemente enferma. Deve tomar o remédio imediatamente. Corre risco de vida!

Nos recuados tempos de nossa história, os medicamentos eram preparados na própria farmácia. O farmacêutico atuava como químico a misturar substâncias. Serviço demorado. Daí sua relutância. Tinha compromisso. Mas, vendo a menina tão aflita, decidiu atendê-la. Apanhou a receita, foi ao laboratório e rapidamente preparou o remédio com a mistura recomendada.

A menina pagou, agradeceu e partiu, apressada.

O bom homem voltou ao laboratório para guardar o material usado. Estarrecido, verificou que na pressa havia trocado vidros, usando uma substância extremamente tóxica que, se ingerida pela mulher, provocaria sua morte. Apavorado, correu à entrada da farmácia, olhou a rua em todas as direções, foi até a esquina… Não mais viu a menina. E agora? Não conhecia a paciente. Não reparara no nome do médico. Não havia a mínima chance de desfazer o engano. Atormentado, sentindo-se na iminência de converter-se num criminoso, matando a pobre mãe com seu descuido, caiu de joelhos e, erguendo o olhar, falou, suplicante:

– Deus! Se você existe, ajude-me! Não quero transformar-me num assassino!

E chorava copiosamente, repetindo:

– Ajude-me! Ajude-me! Por miserocórdia, Senhor!

Alguém tocou de leve em seus ombros. Voltou assustado. Então, num misto de espanto e alívio, viu que era a manina.

-Ah! Meu senhor, uma coisa terrível aconteceu. Tão afobada eu estava a correr, na ânsia de levar o remédio para a minha mãe, que caí, não sei como. O vidro escapou-me das mãos e se espatifou. Não tenho dinheiro para outra receita. Por favor, atenda-me, em nome de Deus!

O farmacêutico suspirou emocionado:

– Sim, sim, minha filha! Fique tranqüila! Eu lhe darei o remédio, em nome de Deus!

Preparou nova receita, agora com muito cuidado, sem pressa. Entregou o medicamento à menina e recomendou prudência.

Depois fechou a farmácia e, ajoelhando-se novamente, murmurou em meio a lágrimas ardentes:

– Obrigado, meu Deus!

 (Trecho do livro do mês)